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Campo Largo,30/01/2025

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Auschwitz cala políticos para celebrar 80 anos de sua liberação dos nazistas


Auschwitz cala políticos para celebrar 80 anos de sua liberação dos nazistas

Em "Zona de Interesse", filme de Jonathan Glazer de 2023, o cotidiano da família Höss na casa 88 é acompanhado de maneira crua. A ideia do diretor era não fetichizar as imagens, deixá-las limpas, sem que a estética induzisse a qualquer julgamento. A exceção era o que vinha de fora, um ruído fabril, às vezes monótono, às vezes destacado por algo mais agudo, como latidos de cães ou gritos.


 

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O ruído vinha da instalação ao lado, Auschwitz, o campo de concentração nazista que matou 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus.


Há 80 anos, completos nesta segunda-feira (27), Auschwitz e Birkenau, na Polônia, foram liberados pelo Exército Vermelho nos estertores da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha de Adolf Hitler capitularia meses mais tarde, e o mundo levaria um tempo para entender o que ocorria naquelas instalações.


Oito décadas depois, a tarefa de não deixar o extermínio e a brutalidade serem esquecidos ganha complexidade. Entre 50 e 60 sobreviventes falarão durante a cerimônia em memória desse período. Apenas eles. Autoridades e políticos presentes não terão voz. O mundo flerta com populismo, extrema direita e saudações nazistas. O ruído fabril agora vem das redes sociais.


"Devemos lembrar que apenas seis anos se passaram entre a ascensão de Hitler ao poder e a eclosão da Segunda Guerra, durante os quais o populismo e a propaganda nazistas floresceram. E, naquela época, não havia internet nem mídia social. Hoje, a manipulação da opinião pública é, infelizmente, muito mais fácil", afirma à reportagem Piotr Cywiński, diretor do Museu de Auschwitz-Birkenau, responsável pela manutenção do que restou dos campos e por uma série de iniciativas de memória relacionadas ao Holocausto.


"O aspecto mais preocupante é que, mesmo agora, vemos tendências de desumanização de grupos sociais específicos aos olhos da maioria."


A casa 88 existe. Rudolf Höss existiu, assim como sua família, retratada no filme. O comandante de Auschwitz foi preso por tropas britânicas em 1946. Seu depoimento no Tribunal de Nuremberg, sobre como os campos de concentração funcionavam, chocou o planeta. Em 1947, foi condenado e enforcado em Auschwitz.


No ano passado, uma organização americana dedicada a combater ideologias extremistas comprou a casa 88 de uma família polonesa. A residência será reaberta nesta segunda-feira como um centro de pesquisa dedicado a estudos sobre ódio, extremismo e radicalização. A Unesco, agência da ONU para a cultura, e o Museu de Auschwitz-Birkenau apoiam a empreitada, criticada por alguns ativistas.


"Em uma época em que o número de sobreviventes e testemunhas diretas do Holocausto é cada vez menor, é vital investir ainda mais em educação para transmitir a memória às gerações mais jovens, bem como combater as formas contemporâneas de antissemitismo", diz Audrey Azoulay, diretora da Unesco.


Pesquisas atestam a necessidade de memória. Na França, 46% do público entre 18 e 29 anos diz não ter ouvido falar do Holocausto, mostra reportagem da Deusche Welle; metade dos alemães afirma não saber que 6 milhões de judeus foram mortos pelo regime nazista.


Os tempos atuais não ajudam. Na esteira do ataque terrorista do Hamas, que matou cerca de 1.200 pessoas em outubro de 2023, e da imediata reação de Israel, uma ofensiva militar que vive cessar-fogo, mas já consumiu 47 mil vidas em Gaza, explodiram em vários locais do planeta episódios de antissemitismo, assim como o debate em torno do assunto.


A Associação Judaica Europeia estima que 40 mil judeus tenham deixado a Europa na onda atual.


"Fazemos um esforço consciente para separar as posições políticas contemporâneas dos fatos históricos", afirma Cywiński. "É claro que observamos com grande preocupação o aumento do antissemitismo em todo o mundo. Embora a crítica a decisões políticas seja sempre legítima, quando ela se transforma na generalização de julgamentos sobre nações inteiras, dá origem ao racismo e à xenofobia."


Autor da decisão política que nublou ainda mais a discussão, Binyamin Netanyahu virou personagem em Auschwitz, mesmo sem ter a intenção de comparecer à cerimônia. Acusado de crimes de guerra em Gaza e com mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, o primeiro-ministro de Israel deveria ser detido se fosse à Polônia.


A constatação fez o presidente do país, o populista Andrzej Duda, pedir um salvo-conduto para Netanyahu. Sua evidente intenção era constranger o primeiro-ministro, Donald Tusk, seu adversário político. Tusk, porém, evitou a armadilha e publicou uma resolução liberando a entrada. A Polônia é um dos tantos países europeus que se equilibra para não cair de novo no fosso autoritário, representado no caso por Duda.


Para Carlos Reiss, coordenador do Museu do Holocausto de Curitiba, a ascensão de projetos totalitários desencadeia "ciclos de intolerância". "Eles existem por causa de crises econômicas e sociais e pela conjuntura internacional, que funciona como um efeito dominó."


O enfraquecimento dos pilares democráticos, diz, "abre brechas perigosas para que os discursos de ódio ganhem legitimidade na esfera pública". Lembrar Auschwitz é um imperativo neste momento. "Nunca foi tão importante falar sobre o Holocausto."


Mais pessoas morreram em Auschwitz do que em qualquer outro campo de concentração nazista ou em qualquer outro local de extermínio na história. Foi lá que a "solução final", o extermínio em massa de judeus, começou a ser posta em prática em 1942. Foi lá também que começou a ser utilizado o gás letal Zyklon B para acelerar o processo. Onde crianças judias foram usadas em experiências sádicas de Josef Mengele, médico e membro da SS, descoberto morto no Brasil quatro décadas mais tarde.


Em 27 de janeiro de 1945, os nazistas já haviam abandonado as instalações. Destruíram as câmeras de gás e parte das edificações. Forçaram ainda 60 mil prisioneiros a marcharem para oeste em busca de transporte para outros campos -15 mil não resistiram ou foram executados na travessia.


Quando chegaram a Auschwitz, soldados soviéticos se depararam com cerca de 7.000 sobreviventes famélicos, tão fracos que parte só conseguiu viver por mais alguns dias. A liberação também colheu evidências do genocídio, preservadas como encontradas até hoje pelo museu: duas toneladas de cabelo humano, 110 mil sapatos, 3.800 malas, 470 próteses, 40 quilos de óculos, 6.000 escovas de dentes, 12 mil potes, panelas e canecas esmaltadas.


Peças que daqui a dez anos talvez tenham que contar sozinhas o que era aquele ruído fabril que o planeta insiste em esquecer.

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